03 maio 2009

Propinas e Bolonha, é tudo uma vergonha

Quando se fala em elitização do Ensino Superior português fala-se de um facto, mas também de um processo. É óbvio que os graus mais elevados do ensino, conhecimento e cultura sempre estiveram reservados às mais elevadas camadas sociais. Desde o tempo de D. Dinis até hoje. Contudo, a Revolução de Abril permitiu que um número considerável de filhos de trabalhadores, que à partida estariam afastados da possibilidade de ter qualquer curso universitário, acedesse ao ES. Não tenho dados concretos, mas julgo não falhar muito se disser que o momento em que o ES foi mais “democrático” em Portugal anda à volta dos anos 80.
Claro que isto contraria um elemento fundamental das formas de controlo social e da perpetuação do sistema económico capitalistas. Além de ser uma afronta para a ideologia burguesa que os seus filhos frequentem as mesmas escolas que filhos e netos de trabalhadores rurais ou operários metalúrgicos. Por isso se assistiu nos anos 90 a um ataque contra essa “porta que Abril abriu” ao povo português, as portas da Universidade.
E o processo continua. Foi, e continua sendo, o regime censitário a que chamam “propinas”. A asfixia financeira, a desvalorização da acção social, o Processo de Bolonha, o RJIES, etc. …
A luta contra este processo é mais difícil, porque ele era já um facto, à partida. Não podemos esperar que membros da classe privilegiada se insurjam contra algo que os beneficia. Não são precisos estudos para mostrar evidências, que estão à frente dos olhos de todos. Ainda assim são úteis para demonstrar pormenores e identificar estratégias e etapas. O estudo que o DN revela hoje é útil nesse sentido.
Segundo o referido estudo, os portugueses são dos europeus que se têm de sujeitar a maior esforço, em relação ao seu rendimento, para frequentar o ES. Ao mesmo tempo o estudo prova que a Acção Social em Portugal não existe. «Os apoios só cobrem 18% dos custos dos alunos que beneficiavam de acção social, contra percentagens que variam entre 20 e 93 por cento em vários países europeus…». Isto sem contar com aqueles que têm absoluta necessidade dela e ficam arredados do acesso, porque além de não chegar para tudo (ou para quase nada), não chega para todos.
«A autora diz mesmo que existe uma "séria deficiência", no que respeita à equidade e à acessibilidade ao sistema de ensino. Não só a maioria dos alunos inquiridos no estudo é de estratos de rendimentos médio (78%) ou médio/alto (12,5%), como "os pais dos universitários têm habilitações significativamente mais elevadas do que o do conjunto da população portuguesa com idade análoga".» Cá está, o ES superior num sistema económico capitalista e numa “democracia” burguesa, não tem outra função que reproduzir as relações sociais pré-existentes, estando reservado aos filhos das famílias mais abastadas e mais instruídas. A ideologia burguesa regurgita diariamente conceitos como o “mérito” ou o “empreendedorismo”. Devem ser filhos da “mão invisível” ou de Deus. Pelo menos são tão fácticos ou exequíveis como estes. E igualmente úteis. O ES não serve para elevar o nível de vida das populações, nem melhorar o país, nem para permitir que aqueles com maiores capacidades intelectuais as desenvolvam de forma adequada, nem contribuir para a produção artística, intelectual, cultural, científica ou técnica da população deste país. Serve, tão só, para perpetuar determinadas relações de produção.
Mais grave ainda, o facto de ser no ES que se desenvolvem as teses historiográficas, sociológicas, filosóficas, antropológicas, políticas, científicas, etc… dominantes, e com capacidade de propagação e execução.
Apesar de ter pessoalmente maior conhecimento da área das ciências humanas, algo que me choca, e que tenho reparado do convívio com camaradas e amigos das ciências ditas exactas, é o conceito de utilidade dado a esse tipo de conhecimento. Não se estuda medicina porque é útil à sociedade, mas sim porque é economicamente rentável. Não se investiga determinada área científica por ser útil à sociedade, mas porque pode dar lucro. E por ai fora. Não é a sociedade e o Homem que estão no centro das preocupações da Universidade burguesa, mas o lucro dos accionistas, a ganância, a venalidade.
O estudo continua dizendo que: «Para esta situação pode ter contribuído o aumento substancial das propinas no ensino público, que subiram 452% numa década, entre 1995 e 2005, para os valores actuais que podem chegar até perto de mil euros anuais.» “Pode ter contribuído” só pode ser uma construção alegórica, se esse foi o principal instrumento do processo de elitização. Mas os responsáveis máximos por isto andam aí, impunes, como MFL ou este ser asqueroso, que há vinte anos defende o aumento das propinas.
Outro papel do ES é o de desmotivação das camadas sociais mais desfavorecidas a procurarem o estudo e conhecimento. Lenine dizia que era importante “Aprender, aprender, sempre” e é obvio que não é preciso frequentar uma universidade para perceber os mecanismos sociais, ou mesmo para ser um grande engenheiro, como foi o camarada Bento Gonçalves. Mas o proletariado partindo de uma posição sempre desfavorável em relação aos detentores dos meios de produção não poderá nunca rivalizar com elas na produção de conhecimentos, por falta de condições efectivas. Isto leva à alienação e ao nihilismo entre as massas trabalhadoras, ou pelo menos ajuda.
É aqui que entra o papel da vanguarda dos trabalhadores. Nunca, jamais, desmoralizar. Aprender sempre. Estudar, divulgar, denunciar, lutar, combater, insurgir-se sempre. Não se deixar dominar pela ideologia dominante, que tece teias indestrutíveis através de lutas parciais e só serão destruídas quando o povo tomar o poder. Aí sim, o ES será para todos. Todos os que tiverem capacidades intelectuais e vontade. Mas será também posto ao serviço de todos, da sociedade e do progresso. Entretanto… a luta continua.

2 comentários:

Fernando Samuel disse...

Um grandecíssima vergonha, sem dúvida.

Um abraço.

CRN disse...

Uma tendencia altamente fascizante.

A revolução é hoje!