27 agosto 2008

O novo (velho) Imperialismo

O Imperialismo tem ao longo dos tempos encontrado as formas mais eficazes a adoptar, em cada momento histórico, para assegurar a consecução dos seus objectivos. A vida e a História provam-no. O imperialismo na sua forma terrorista e mais extrema não foi bem sucedido porque encontrou a resistência heróica dos povos em toda a Europa, Ásia e África, mas também porque os seus projectos colidiam com os de outras potências imperialistas.
Se até meados do século XX as potências colonizadoras controlavam directamente largas regiões do Mundo, exercendo sobre elas uma jurisdição reconhecida e assumida, com os processos de independência esse tipo de domínio expirou. Mas o imperialismo não se rendeu. Pelo contrário, iria encontrar novas formas de exercer o domínio que lhe permite proceder á exploração das matérias-primas e força de trabalho indispensáveis à acumulação capitalista.
O estudo dos métodos utilizados é bastante útil, na medida em que provam vários factos: a inexistência de limites ou escrúpulos por parte dos agentes do imperialismo; a sua habilidade para se transformarem de agressores em vítimas, aos olhos do Mundo, distorcendo por completo a verdade histórica; a imbecilidade dos lacaios do poder imperialista que subscrevem as teses oficiais dos agentes do imperialismo, ou por desconhecerem a verdade ou por pensarem que uma mentira mil vezes repetida se torna verdadeira. Quanto a este último ponto, aconselho uma visita a alguns blogs portugueses, que conseguem ir mais longe que os próprios promotores e defensores oficiais do imperialismo.
Uma das características mais repugnantes, e repetida, da prática imperialista contemporânea é a actuação dos seus agentes e agências de forma encoberta. Além da actuação baseada na selvajaria, como a invasão de países soberanos à revelia do Direito Internacional, o bombardeamento de populações civis ou a coacção psicológica, económica e mesmo militar, e talvez mais importante que aquela, um sem número de organizações agem, em todo o Mundo, em abono do imperialismo.
Essas entidades actuam sempre em nome dos “direitos humanos”, da “democracia”, do ambiente (mais recentemente) e outros eloquentes e benignos valores. Umas assumem a forma de ONG’s, outras de think tanks, outras ainda de câmaras de comércio ou institutos de estudos de relações internacionais. Mas uma observação mais aprofundada permite assimilar os reais objectivos destas organizações, que pouco têm que ver com estes nobres objectivos.
A tarefa de expor esta realidade, que concretiza uma importante parte da acção imperialista no mundo actual, constitui certamente uma pretensão fundamental para perceber o actual estádio do Capitalismo. Contudo nunca seria alguém como eu que o poderia levar a cabo com sucesso, tanto por falta de tempo, como por falta de capacidade. Ainda assim aproveito para deixar algumas notas.
O recente caso da Geórgia é paradigmático da realidade a que me refiro. Antes de mais importa esclarecer que interesse terá um país como a Geórgia para o imperialismo? Em si mesmo pouco. Contudo numa estratégia de cerco a outros países que podem constituir ameaça ao poder da maior potência imperialista do Mundo ou para chegar aos recursos energéticos de países vizinhos (Azerbaijão, por exemplo) tem uma importância fundamental.
Assim, a forma como as tais “organizações não-governamentais” apoiaram a instalação de um poder fantoche em Tbilisi é demonstrativo da sua forma de actuação em outras partes o Mundo. Se até aos anos 80 as actividades, agora desenvolvidas por esta gente sinistra, eram asseguradas pela CIA com o apoio de agentes nacionais (e nós também os tivemos…) agora são essas organizações, financiadas pelo Departamento de Estado, pela USAID e pelas grandes multinacionais que o fazem. O movimento Kmara, que ajudou Saakashvili a chegar ao poder, foi financiado por exemplo pela Freedom House, pelo National Endowment for Democracy ou pela fundação do (misterioso) milionário George Soros, que foi criada em específico para este país, mas que as tem em vários outros países.
A Freedom House, por exemplo, é famosa pelo relatório anual em que revela o ranking dos países mais livres do Mundo. Ironicamente, o país com maior população encarcerada do Mundo, tanto em termos absolutos como relativos, e mesmo historicamente, está classificado como o mais livre possível nesse ranking. Recebe a maior parte do seu orçamento do governo norte-americano (sabendo todos nós o quão ciosos são os norte-americanos com o dinheiro dos seus impostos) e militam nas suas fileiras gente tão distinta como Zbigniew Brzezinski, Samuel Huntington ou Donald Rumsfeld. Tem ainda ligações com a ilustre organização terrorista, anteriormente conhecida por Liga Mundial Anti-Comunista, onde se contavam alguns nazis (provavelmente) arrependidos. A Freedom House criou ainda um comité especificamente para a região do Cáucaso, o Comité Americano para a Paz no Cáucaso.
O National Endowment for Democracy (NED) é uma espécie de Al-Qaeda da democracia, na medida em que financia e suporta outras organizações que gravitam à sua volta. Um dos mais “ilustres” membros do NED é o nosso bem conhecido Frank Carlucci, bem como o neo-fascista Francis Fukuyama, ou o falcão de Belgrado Wesley Clark.
As fundações do magnata George Soros, grande defensor da liberalização das drogas leves (o sucesso que faria nos acampamentos do BE...), e cuja origem da fortuna não é totalmente conhecida, estão espalhadas um pouco por todo o planeta. Entre as proezas mais conhecidas de George Soros estão o Crash da Bolsa de Londres em 92, assim como o financiamento a rodo de organizações que defendem a paz no Mundo, enquanto entra no capital accionista da Helliburton…
Outras organizações deste tipo são, por exemplo a Foundation for Defense of Democracies (Fundação para a Defesa das Democracias, FDD), que curiosamente foi fundada dois dias depois do 11 de Setembro de 2001 e hoje é campeã da campanha em curso para promover a guerra com o Irão. De todas a mais famosa, e talvez mais importante, é o Council on Foreign Relations, financiada, por exemplo, pela Lockheed, ExxonMobil, Chevron, ou JP Morgan. Entre os seus membros contam-se George Bush, pai, Dick Cheney, Alan Greenspan, Richard Holbrooke, Henry Kissinger (inevitável nestas coisas da paz), John Mccain, e novamente Zbigniew Brzezinski.
Outra organização, mais focada na região e nos interesses económicos, é a Câmara de Comércio Estados Unidos – Azerbaijão, financiada pela BP, Chevron, ExonnMobil ou Halliburton, por exemplo. Uma visita pelo site desta organização é elucidativa dos interesses que serve.
Assim soltos, estes factos não provam grande coisa, mas ilustram bem os métodos utilizados pelo Imperialismo no sentido de assegurar os seus interesses. Provam que sempre que utilizam a palavra “democracia” querem significar precisamente o seu contrário. Provam ainda que os meios de comunicação social, tanto os portugueses como os internacionais, estão completamente dominados por esses interesses, ou melhor são parte fundamental da actuação Imperialista contemporânea.

15 agosto 2008

Conta-me como foi

A RTP1 está a retransmitir uma série portuguesa chamada Conta-me como Foi. A série é, sem dúvida e tal como a anunciam, uma das melhores produções nacionais de sempre, com grandes actores, óptimos cenários e adereços, etc. …
O argumento da série, segundo julgo saber, baseia-se no dia-a-dia de uma família lisboeta (pretensamente) típica, dos finais dos anos 60. Parece ser também intenção dos autores dar a conhecer aos portugueses do século XXI a vida em Portugal nos anos finais da ditadura. Neste particular, contudo, a série não é propriamente fiel à realidade das condições socioeconómicas, culturais ou políticas do país na altura.
A família retratada vive, ao longo de toda a série, com um desafogo relativo. É compreensível que os autores não se baseassem numa família das classes mais empobrecidas e exploradas da altura, caso em que, certamente, haveria pouco para contar. Seria pouco mais que um círculo vicioso onde as necessidades fisiológicas básicas do ser humano seriam entrecortadas por um período de trabalho de entre dez a doze horas e, eventualmente, uma actividade lúdica de fraca qualidade, possivelmente passada à volta de uns copos de álcool. Isto para o homem, pois a mulher além do trabalho fora de casa teria ainda as tarefas domésticas para realizar.
Contudo, numa época em que o revisionismo histórico (que não me parece ser a intenção da série em causa) se assume cada vez com mais força, numa tentativa de branquear a ditadura fascista que oprimiu o povo português durante 48 anos, a série poderá ajudar a formular uma ideia completamente errada da vida das famílias portuguesas naquela altura.
A justificação dada para a existência desse relativo desafogo económico é dada pelo facto de o “chefe da família” exercer duas profissões e de os restantes membros da família também trabalharem de forma excepcional. Contudo, naquele tempo, como hoje, quem trabalhava dificilmente conseguiria fugir á penúria que era gerada, precisamente, pela exploração do seu trabalho, mesmo para os funcionários do Estado (como é o caso) cujos salários se encontravam exauridos.
O engano acerca da qualidade de vida na altura poderá ser criado pelo facto de a família possuir telefone, rádio, televisão, máquina de lavar roupa, frigorífico, electricidade (sem a qual os anteriores objectos seriam inúteis), água canalizada, uma casa de boa qualidade (com quartos para cada membro da família), roupas de grande qualidade e em quantidade, efectuarem viagens ao estrangeiro, ter um membro a frequentar o ensino superior, etc. …
Sendo certo que havia uma melhoria relativa da qualidade de vida no país em relação às décadas anteriores, em especial devido às remessas dos emigrantes, apenas uma ínfima minoria dos portugueses poderia sequer sonhar com este estilo de vida.
Mesmo sem ter qualquer tipo de dado para o afirmar, atrevo-me a dizer que as zonas mais miseráveis do país se encontravam na cintura de Lisboa. Bairros como a Brandoa, Galinheiras ou Musgueira conheciam uma realidade bem diferente. Muitas famílias viviam em casas abarracadas (para contrastar com as apalaçadas dos monopolistas) onde não havia electricidade, (tão-pouco os objectos referidos), água canalizada, ou o mínimo de conforto. Os bairros eram constituídos por ruas completamente desordenadas, por vezes não alcatroadas, onde a lama se tornava insuportável, e por vezes mortífera como nas inundações de 67 (pelo menos 458 mortos). As crianças passavam os dias entre a frequência de uma escola opressora e a deambulação pelas ruas, sem haver qualquer tipo de estruturas ou programas de tempos livres. A sua indumentária poderia variar de uns andrajos inqualificáveis a uma roupa minimamente apresentável, mas sem a qualidade referida. Havia ainda crianças que só muito tarde calçavam os seus primeiros pares de sapatos.
Noutro plano as referências aos comunistas na série também pouco condizem com a realidade, chegando o protagonista a vender uma tipografia a um militante do PCP para ser utilizada nas actividades do Partido! Ou o facto de os que lutam contra o Regime serem oriundos das classes altas, frequentando as faculdades, correspondendo certamente mais à ideia que faço dos esquerdistas da altura, que daqueles que efectivamente resistiam contra a opressão fascista.
Volto a dizer que a série é de grande qualidade, e em nenhum momento pretende ser um documento histórico. Contudo se quisermos contar como foi, de certeza que haveria muito mais para contar…







Arredores de Lisboa, anos 60


Brandoa, anos 60


Santa Iria da Azóia, 1965

14 agosto 2008

Os EUA e o Imperialismo

A recente audácia georgiana de atacar as forças de manutenção de paz russas na Ossétia do Sul deixou o Mundo perplexo, não estivéssemos a falar de dois países com uma diferença de população de 137 milhões de habitantes, entre outras comparações possíveis de fazer, igualmente abissais. Mas, alguém acreditará que a decisão deste ataque partiu da exclusiva vontade do “Presidente” da Geórgia, ou dos órgãos soberanos da Geórgia? Claro que não, porque a Geórgia deixou de ser um país independente e soberano, para passar a ser o 51º estado norte-americano, com a chamada Revolução Rosa. A prova caricata disto está dada quando o Presidente da Geórgia se dirige à Nação georgiana… em Inglês!
As investidas do Imperialismo têm despertado maior atenção noutras regiões do Globo. Nuns casos devido ás guerras que foram movidas (ou estão sendo minuciosamente preparadas), noutros pela novidade que constitui a existência de governos e eleição de lideres políticos independentes dos interesses das grandes multinacionais, como na América Latina. Contudo, na Europa os anos do consulado de Bush foram também anos propícios para o avanço do Imperialismo, por vezes de forma feroz, outras delicadamente.
O caso da Revolução Rosa na Geórgia é um exemplo, mas podemos referir a chamada Revolução Laranja, na Ucrânia, a “independência” do Kosovo, (além de toda a atitude revanchista em relação à Sérvia), os escudos anti-míssil, as adesões à NATO, o próprio (falhado?) Tratado de Lisboa, numa lista que poderia ter muitos mais exemplos.
A atitude dos Estados Unidos da América, e em especial do seu Presidente, têm oscilado entre o criminoso, na forma como tem apoiado a acção da Geórgia e o ridículo, quando Bush vem criticar a acção russa.
As declarações provocatórias e belicistas dos EUA, nomeadamente com referências à Guerra-Fria e ameaças de revisão das relações com a Federação Russa, são evidências claras dos propósitos norte-americanos. Ao mesmo tempo que tentam desestabilizar as relações internacionais e interferir na soberania de outros Estados, fazem passar as culpas para aqueles que, no fundo, são vítimas da cobiça e mesquinhez imperialista.
Em relação à forma como a comunicação social tem transmitido a situação, além do seu papel fundamental de adulterar a verdade dos factos e servir os interesses do Capitalismo, há uma ou outra nota mais grosseiras que não podem passar em claro. A TVI por exemplo (com o rigor característico) dizia qualquer coisa como “a Geórgia tornou-se independente do Império Soviético em 1991”. Em relação à última parte da frase não comento, mas quanto à primeira seria bom saber se a Geórgia é mais independente agora ou quando fazia parte de uma União de Repúblicas em pé de igualdade (pelo menos juridicamente) com as restantes catorze. Não será evidente, que se a URSS estivesse subjugada aos interesses russos ou russófonos, como é correntemente propalado, teria tido mais que tempo para anexar a Ossétia do Sul à República Socialista Soviética Autónoma da Ossétia do Norte?